Publicado em 8/06/2018 as 12:00pm
Faxineira brasileira palestrará para doutores norte-americanos
A mineira Alline Parreira narrará sua história de vida em primeira pessoa na Cuny University, em Nova Iorque, na semana que vem.
Nem todo conhecimento vem de livros, e Alline Parreira, 27 anos, é a prova viva disso: Nascida no sertão mineiro, no Município de Manga, adotada ilegalmente na barriga de sua mãe biológica por uma mulher intersexual. Adotada novamente aos três meses de idade por uma mulher branca idosa. Alline seguiu, pobre, preta, lutando contra racismo e preconceito na construção de seu gênero e da sua aceitação identitária como mulher negra sem referência racial em sua família adotiva. Ela tem muita história para contar, e no próximo dia 15, às 19h, narrará sua trajetória em primeira pessoa em uma palestra documental inovadora, mesclando poesia, oralidade e projeções de sua trajetória de Manga à Nova Iorque, na CUNY University, nos Estados Unidos, com mediação do doutor Eduardo Vianna.
Uma mulher negra brasileira palestrando em uma grande universidade estadunidense já é surpreendente, mas o caso de Alline é ainda mais: Ela é autodidata, mas não possui curso superior, é ativista social, mas se sustenta fazendo faxinas em casas nova-iorquinas, aonde vive há dois anos. “Para nós mulheres negras não foi permitido narrar nossas histórias em primeira pessoa, eu quebro esse paradigma, eu que conto minha história, para mim é muito importante”, aponta.
“A vida foi a minha universidade, eu sem curso superior, sem nada, eu adquiri todas essas informações, aprendo e pesquiso muito. Minha construção identitária é baseada no que aprendi lendo os autores acadêmicos Angela Davis e Frantz Fanon”, relembra. “Com Angela Davis, em “Mulheres, Raça e Classe”, eu identifiquei que em todo este processo da construção de minha identidade, gênero, raça e classe sempre caminharam juntos, sou mulher negra e pobre. Com Frantz Fanon, no livro ‘Peles Negras Máscaras Brancas”, de uma forma muito radical eu me descolonizei, modifiquei totalmente o meu ser, eu me libertei”, conta Alline. “Não podemos dicotomizar os dois tipos de conhecimento”, aponta Eduardo Vianna. “O conhecimento conceitual, teórico tem que estar a serviço da pratica, mas a pratica precisa ser analisada, o que requer conceitos”, defende o mediador.
Durante a palestra, Alline, que foi convidada pelo Coletivo BradoNYC, incluirá uma performance surpresa e será seguida de uma conversa sobre privilégio, identidade, transformação social. Sem a aplicação correta do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, Alline foi doada pela mãe e adotada por uma mulher extremamente pobre que também morava em Manga, e mais tarde foi adotada pela mãe dessa mulher. Moravam no sertão de Minas Gerais, quase na divisa com a Bahia, à beira do Rio São Francisco, passou por todo tipo de privação possível: De afeto a oportunidades, tanto na família quanto na escola, aonde era negligenciada e teve de ser alfabetizada pela mãe, analfabeta, aprenderam a ler e escrever juntas.
Apesar de todas as impossibilidades, Alline conseguiu dar a volta por cima ao descobrir programas governamentais implementados por Lula e Dilma Rousseff, ao receber auxílios como Bolsa Família e a oportunidade de cursos de qualificação. Outro ponto marcante na história de Alline foi quando ela ganhou uma bolsa no governo Dilma, e viajou sozinha pelo continente africano. “Mudou meu rumo, e ampliou os meus horizontes, com o conhecimento prático, de uma mulher negra viajando sozinha”, relembra. Daí em diante Alline, que já havia tomado gosto pelos estudos e pela leitura, passou a aplicar os conceitos críticos que ia aprendendo com autores que combatem opressões, como racismo e misoginia, à sua própria realidade e trajetória de vida. O espirito ativista de Alline ganhou ímpeto com essas leituras que a ajudaram a perceber a opressão não como algo natural, imutável, ao qual devemos nos adaptar.
“Quando relato minha trajetória, as pessoas se surpreendem: Fui adotada de forma ilegal, cresci em uma família branca e extremamente pobre, completamente disfuncional. Vivi muitas opressões tanto da minha família adotiva, quanto na escola. Ninguém nunca esperou nada de bom de mim”, relembra. “Quando fala-se de uma criança negra adotada por uma família branca, logo imagina-se que a família seja rica, mas a minha era muito pobre, não tínhamos luz elétrica, cozinhávamos em fogão a lenha, por falta de gás.”
Futuramente, Alline espera narrar sua história em um livro, para isso, está buscando parcerias ou editoras. Alline Parreira é a prova viva de que conhecimento de vida não se resume em diploma de nível superior.
SERVIÇO
Alline Parreira palestrará sobre sua trajetória de vida na CUNY University, na sexta-feira, dia 15, a partir das 19h com transmissão ao vivo.
Informações pelo e-mail: bradonyny@gmail.com ou contato.allineparreira@gmail.com.
Fonte: Redação - Brazilian Times