Publicado em 9/11/2023 as 8:00pm
Artista brasileiro de origem indígena, morto há 38 anos, ganha exposição individual em NY
Em 27 de outubro, a Galeria David Kordansky em New York inaugurou a primeira grande exposição individual de sua obra.
Ao falecer em 1985, vítima do alcoolismo, Chico encontrou-se em um estado de desamparo, praticamente esquecido pelo mundo da arte. Inicialmente, ele havia sido celebrado por sua visão "primitiva" singular, mas, posteriormente, questionou-se a autenticidade de seu trabalho. Agora, uma onda renovada de interesse e pesquisa está reexaminando a obra de Chico, reabrindo discussões sobre autoria, autonomia artística e exotização que permeiam sua história.
Em 27 de outubro, a Galeria David Kordansky em New York inaugurou a primeira grande exposição individual de sua obra. A exposição exibe cerca de 25 pinturas e obras em papel criadas no período entre os anos 1960 e o início dos anos 1970. Essa mostra veio após a participação de Chico na feira de arte Independent em Nova York no ano passado, organizada pela galeria paulista Galatea. Além disso, a maior exposição retrospectiva de sua carreira até o momento, intitulada "Chico da Silva e o Ateliê do Pirambu", esteve em exibição na Pinacoteca de São Paulo de 4 de março a 28 de maio, e posteriormente na Pinacoteca do Ceará, em Fortaleza, até 29 de outubro.
"À medida que o mundo da arte começa a reconhecer a importância da indigeneidade, queremos destacar a obra e o legado de Chico da Silva, que, de maneira visionária, abriu caminho para uma nova geração de artistas indígenas que começa a surgir no Brasil", afirma Kordansky.
Artistas indígenas contemporâneos do Brasil, como Denilson Baniwa e Jaider Esbell, mencionaram a influência direta da obra de Chico. Tragicamente, Esbell tirou sua própria vida aos 41 anos em 2021, enquanto seu trabalho estava sendo exibido na Bienal de São Paulo.
Graham Steele, um negociante e colecionador de arte, destaca que as circunstâncias trágicas que envolveram os últimos anos de vida desses dois artistas merecem uma análise mais profunda: "A morte de outro artista indígena devido a pressões semelhantes mostra que há muitas lições importantes a tirar da história de Chico e de como esses artistas, de certa forma, são explorados".
Steele, em parceria com a negociante de arte Alexandra Mollof, é o curador da exposição na Galeria David Kordansky, em Manhattan, que permanecerá em cartaz até 16 de dezembro.
O catálogo que acompanha a exposição informa que Chico da Silva nasceu em 1910, embora algumas fontes sugiram o período entre 1922 e 1923. Filho de um pai peruano e uma mãe indígena do Ceará, na região nordeste do Brasil, passou sua juventude na floresta amazônica, onde sua imaginação artística era alimentada pela rica fauna e flora durante as jornadas pelo rio com seu pai, um barqueiro.
Após a morte de seu pai devido a uma picada de cascavel, Chico se mudou com sua mãe para Fortaleza. Lá, como autodidata, ele começou a pintar pássaros nas paredes externas das casas de pescadores, usando carvão, giz e matéria orgânica triturada como pigmento.
Em 1943, o crítico de arte suíço Jean-Pierre Chabloz, que havia imigrado para o Brasil, descobriu um dos murais e procurou o autor. Chabloz estabeleceu uma amizade com Chico e passou a fornecer materiais de pintura e telas. As obras de Chico, que representavam um zoológico estilizado de dragões, serpentes, peixes e aves dispostos em intricadas constelações de pontilhismo, começaram a se proliferar nos anos seguintes. Chabloz passou a expor e vender essas obras para colecionadores no Rio de Janeiro, em São Paulo e em várias cidades europeias.
Promovendo a obra de Chico em revistas de arte, Chabloz o descreveu como "gloriosamente primitivo, divinamente analfabeto e, acima de tudo, um artista excepcional que, até então, só carecia de uma oportunidade favorável para revelar seus dons extraordinários". Considerando que Chabloz era um homem branco europeu da época, Mollof reconhece que ele tinha uma mente aberta, embora também tenha se beneficiado de suas ações.
Steele aponta que Chabloz foi tanto um explorador de Chico quanto seu defensor. Ele destaca que a apreciação exagerada pode ser um dilema, lembrando debates sobre o "bom selvagem" e modernistas em busca de pureza de expressão em indivíduos de fora de sua cultura.
De 1948 a 1960, Chabloz voltou a morar na Europa, o que resultou em uma redução na produção artística de Chico devido à falta de recursos. O retorno de Chabloz ao Brasil impulsionou novamente o trabalho de Chico, que conseguiu um emprego no museu de arte da Universidade Federal do Ceará em 1961. Nesse período, Chico recebeu um salário e criou cerca de 40 telas para a instituição ao longo de três anos. Chabloz também apresentou Chico ao seu primeiro marchand, Henrique Bluhm.
Com a crescente demanda por suas obras, Chico começou a treinar assistentes e estudantes da favela do Pirambu, em Fortaleza, para pintar seguindo seu estilo característico. Seu trabalho chamou a atenção do historiador e crítico de arte Clarival do Prado Valladares, que o incluiu em uma exposição coletiva de arte naïf no pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza em 1966. Chico também participou da Bienal de São Paulo de 1967.
O Ateliê do Pirambu, como era chamado o estúdio de Chico, tornou-se um fenômeno local, embora também tenha enfrentado críticas. Em um artigo de 1969, publicado no jornal "O Povo", Chabloz rompeu publicamente com Chico, argumentando que a produção em larga escala do ateliê havia diluído a força de sua obra e depreciado seu valor artístico. A resistência do estabelecimento artístico coincidiu com o aumento do consumo de álcool por Chico e suas internações em instituições psiquiátricas na década de 1970, das quais ele nunca se recuperou completamente.
Além de apresentar a obra de Chico, a atual exposição retrospectiva no Brasil também destaca as criações dos cinco principais aprendizes que trabalharam com ele: Chica (Francisca, filha de Chico), Babá, Ivan, Garcia e Claudionor. Cada um deles acabou estabelecendo seu próprio ateliê independente e desenvolvendo uma obra autoral.
A discussão sobre a obra de Chico da Silva sempre girou em torno de dúvidas sobre sua originalidade. No entanto, muitos consideram que ele se tornou uma parte do imaginário coletivo, criando uma economia em sua comunidade em Fortaleza, onde pessoas de diversas origens vinham para apreciar suas pinturas de criaturas fantásticas. Alguns acreditam que seu trabalho tinha uma autenticidade afro-indígena genuína, ressaltando o aspecto coletivo de sua prática.
O uso de assistentes por Chico era uma prática radical, sem precedentes no modernismo brasileiro, embora seja comum na arte contemporânea e tenha raízes históricas no Renascimento. Paralelamente à exposição, a Pinacoteca de São Paulo adquiriu pela primeira vez uma obra de Chico para enriquecer sua coleção permanente de História da arte brasileira. Além disso, a Tate, em Londres, e o Centre Pompidou, em Paris, realizaram recentes aquisições de sua obra.
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