Publicado em 16/04/2025 as 12:00pm
Crianças são levadas a tribunais de imigração nos EUA sem advogados
Imagem extraída do You Tube Sentada diante de uma juíza em um tribunal de imigração...

Sentada diante de uma juíza em um tribunal de imigração de San Diego, uma menina de cinco anos colore um livro entregue pela magistrada Olga Attia. É uma tentativa de tornar menos assustador o que acontece ao seu redor: sozinha, sem advogado e sem entender completamente a situação, ela responde a um processo de deportação.
A criança, que chegou aos Estados Unidos em março de 2024 vinda do México com seus irmãos de 13 e 15 anos, representa hoje um retrato alarmante da crise migratória no país. Detida ao cruzar a fronteira de forma irregular, ela é uma entre milhares de menores não acompanhados que agora enfrentam o sistema judicial sem acesso à defesa legal.
“Não podemos permitir isso”, declarou à agência Associated Press a mãe da menina, que migrou para os Estados Unidos anteriormente e assistia à audiência.
O caso ganhou relevância após o governo americano anunciar, em 21 de março, o cancelamento dos contratos com dezenas de organizações responsáveis por oferecer representação legal gratuita a menores migrantes. A medida ameaça deixar cerca de 26 mil crianças sem assistência jurídica. A decisão foi temporariamente suspensa por uma juíza federal até 16 de abril, mas o futuro do programa segue incerto.
Nos Estados Unidos, o direito a um advogado gratuito só é garantido em processos penais. Casos de imigração, por outro lado, são tratados na esfera civil, o que significa que, se não houver condições de pagar, o imigrante deve se representar sozinho — inclusive crianças pequenas.
“É como retirar o paraquedas antes de lançá-las do avião”, afirma o advogado Jonathan D. Ryan, do escritório Advokato, no Texas, que representa 50 menores em situação similar. “Sou especialista em imigração há 20 anos, e cada caso exige mais de 100 horas de trabalho. Imaginar que uma criança consiga fazer isso sozinha é não apenas ilusório — é cruel.”
A maioria dessas crianças é oriunda da América Central, mas também há menores de outras partes da América Latina e até de outros continentes. Muitos não falam inglês. Alguns ainda nem aprenderam a falar. Mesmo assim, são convocados a audiências para argumentar por que deveriam permanecer no país.
Desde 2005, a legislação americana prevê salvaguardas para menores não acompanhados. A Lei de Proteção a Crianças Estrangeiras e, posteriormente, a Lei de Prevenção ao Tráfico de Pessoas (2008), garantem, "na medida do possível", que crianças migrantes tenham acesso a orientação e representação legal qualificada.
Essas garantias são operacionalizadas por meio de contratos com organizações como o Centro Acacia para a Justiça, responsável atualmente por prestar assistência jurídica a 26 mil menores e apoio geral a cerca de 100 mil. O programa, financiado com recursos federais — aproximadamente US$ 200 milhões anuais —, reúne mais de 90 entidades jurídicas especializadas em imigração infantil.
Contudo, a estrutura tem sido ameaçada por decisões políticas. Em fevereiro de 2020, durante o governo Trump, uma ordem semelhante havia suspendido a assistência legal, revertida apenas três dias depois. Desta vez, o aviso de cancelamento chegou a poucos dias do vencimento do contrato, sob a justificativa de “conveniência do governo”, segundo documento obtido pela AP.
Diante da incerteza, advogados voluntários e organizações civis tentam preencher o vácuo deixado pela retirada do apoio federal. Muitos estão revisando seus casos para decidir quantos podem assumir pro bono — ou seja, gratuitamente — sem comprometer suas obrigações éticas e profissionais.
“Temos que escolher os casos mais urgentes, sabendo que não conseguiremos atender a todos”, lamenta Ryan. “A estrutura está em colapso, e são crianças que pagarão o preço.”
Enquanto isso, juízes como Olga Attia tentam lidar com o drama humano em cada audiência. Ao sugerir que a menina de cinco anos procure ajuda em uma organização beneficente, ela agenda uma nova sessão para maio. Mas, sem advogado, o desfecho é incerto.
O sistema de imigração dos EUA, já sobrecarregado, agora se vê diante de uma crise ética e legal. Crianças vulneráveis, muitas sem compreender a língua ou o processo que enfrentam, estão sendo empurradas para julgamentos sem o direito mais básico em qualquer Estado de Direito: o de defesa.