Publicado em 27/08/2022 as 2:00am
Coluna da Arilda
Entrevista com o imortal, membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e poeta Carlos...
Entrevista com o imortal, membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e poeta Carlos Nejar.
A biografia do meu entrevistado desta semana é longa e é uma grande alegria ter tido a oportunidade de conversar com ele, que é um dos maiores escritores do nosso país.
Poeta, ficcionista, crítico, nasceu em Porto Alegre (RS), em 11 de janeiro de 1939, Carlos Nejaré um dos autores mais estudados da Literatura Brasileira, sendo um clássico com extensa fortuna crítica e um dos bardos mais lúcidos da segunda metade do século XX e início do século XXI, após Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
Quinto ocupante da cadeira nº 4 da Academia Brasileira de Letras, eleito como imortal em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog.
Pertence à Academia Espírito-Santense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e à Academia Brasileira de Filosofia, no Rio de Janeiro.
Em 1999, proferiu conferências sobre poesia e ficção nas universidades de Brasília, Goiânia, Rio Grande do Sul e Buenos Aires; na ABL e no Projeto Com Todas as Letras do jornal Folha de S. Paulo.
Participou juntamente com outros grandes poetas da América Latina, em Quito (Equador), do Festival Internacional de Poesia, organizado pela Corporação Cultural Eskeletra.
Secretário-geral da Academia Brasileira de Letras, exerceu a presidência em exercício no ano de 2000.
A publicação Quarterly Review of Literature, de Princeton, New Jersey (EUA) em seu cinqüentenário, escolheu o poeta como um dos grandes escritores da atualidade.
Único representante brasileiro indicado pela influente revista norte-americana, é colocado no mesmo patamar do espanhol Rafael Albert e do francês Yves Bonnefoy, entre cinquenta autores selecionados.
Posto entre os dez poetas mais importantes do Brasil, pela revista Literature World Today, Winter, 2002, Oklahoma, EUA.
Considerado um dos 37 poetas-chaves do século, entre 300 autores memoráveis, entre 1890-1990 pelo crítico suíço Siebenmann, em Poesía y Poéticas del Siglo XX en la América Hispana y el Brasil (Madrid: ed. Gredos, 1997).
Na área do livro infanto-juvenil, arrebatou o Prêmio Monteiro Lobato e o da Associação de Críticos Paulistas, com respectivamente Era um Vento muito Branco e Zão.
Em 2004, por ato do Presidente da República, foi nomeado para o Conselho Federal de Educação – Câmara Básica.
Em março de 2005 fez conferência sobre a literatura brasileira em Havana, Cuba e em abril participou a convite de um Congresso de Humanidades e Filologia a realizado em Braga, Portugal.
Foi feito um documentário sobre o poeta e foi apresentado vários depoimentos, organizado pelo escritor Prof. Wander Lourenço, “Carlos Nejar, O Quixote dos Pampas”.
O Senhor trabalhou no judiciário muitos anos, antes de se dedicar a literatura, como o senhor observa hoje os acontecimentos do país que tem como protagonistas os juízes da nossa Corte Suprema?
Sim, trabalhei no Ministério Pública do Rio Grande do Sul.
Fui Promotor no interior do pampa e procurador de justiça, trabalhando na Câmara Criminal e Civil, mas me dedicava ao mesmo tempo na literatura.
Desde cedo percebi que a literatura ajuda a viver mas não cobre economicamente a vida e a pobreza não é vocação.
Sim, tenho amigos no Supremo que é a última instância da justiça no país.
Acho que é ainda um arauto democrático, mesmo que vez e outra tente julgar sobre o mar ou as estações.
Todavia, é a última trincheira , onde vige e há de viger o domínio da Constituição.
Na sua opinião, porque o Brasil ainda não recebeu o prêmio Nobel de Literatura?
Com estranheza o Brasil ainda não o recebeu, sendo um continente, com escritores como Guimarães Rosa, Drummond, João Cabral e Jorge de Lima, mas o Brasil terá necessariamente essa justiça.
É questão de tempo e de sonhos.
Seu livro "A Tribo dos Sete Relâmpagos" foi escolhido como o melhor livro do ano – como o senhor o ambientou e porque?
Tentei criar uma visão de época sobre o Simbolista Indianista.
Os gêneros se repetem no tempo, ao se inventarem .
Porque precisava, dentro de uma perspectiva contemporânea, trazer de novo o tema do índio, tão importante na nacionalidade, como nosso primeiro habitante e o prêmio teve o nome de Lygia Fagundes Teles, saudosa ficcionista de minha admiração.
Qual a diferença poética entre Jorge Luis Borges e Pablo Neruda, autores que o senhor traduziu para o português?
Borges é mágico, poeta, contista e inventor de sonhos.
Neruda é um poeta épico, às vezes lírico, com os páthos do Continente Latino-Americano.
Borges tem a síntese e Neruda é um analítico do verbo. Um ser metafórico.
Como percebeu esta sua vontade e entendeu que seu destino era ser escritor de ficção?
Depois dos quarenta anos, escrevi ficção. Sucedeu ao poeta em mim .
Na poesia traduzia os sonhos, no romance, os pesadelos contemporâneos. Sabia de cor, antes, a maioria dos meus poemas que gostava de recitar, sendo a poesia de natureza fonética.
Só consegui criar ficção na memória do esquecimento e curioso, quem previu que eu seria um ficcionista, anos antes, foi minha amiga Clarice Lispector que anotou numa dedicatória: ”A Carlos Nejar, que identifico comigo: tão burro como eu”.
Nessa burreza descobri a sabedoria.
O que é louco para os homens, como observava o Apóstolo Paulo, é sábio para Deus.
Qual é o processo de criação do perfil psicológico dos seus personagens?
O meu processo de criação é o primeiro no papel. Escrevo o texto, ou melhor me é escrito.
Tal se me fosse ditado. Nunca sei o começo, meio ou fim e os personagens vão se formando como o jogo de armar da infância.
Nem sei se eles pedem para viver, vivem e quando crio, eles que habitam, não eu a eles.
Ainda bem. Não raciocino, sou raciocinado. É o delírio da razão criadora.
Quem você diria que são seus antepassados literários, aqueles de quem você aprendeu mais?
Aprendi muito com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Rulfo, García Márquez, Borges, Clarice LIspector, Jorge de Lima, João Cabral, Claudel, Rimbaud, Camões, Pessoa, Lorca (muito o seu teatro), T. S. Eliot, S. John Perse, Ezra Pound.
Não posso esquecer a Bíblia. Mas creio que não somos nós que inventamos as palavras, são elas que nos inventam.
Qual o livro da literatura mundial você gostaria de chamar de seu?
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa ou O Pedro Páramos, de Rulfo.
O que seus textos trazem como inspiração para outras pessoas?
Há uma nova geração, a partir dos 30 anos, que me descobriu em todo o País.
Porque o criador busca os seus contemporâneos e os achei e acharei no amanhã, um dia.
Como a mídia se comporta frente a literatura? E com as outras artes?
A mídia, com exceções, é mestra da banalidade .
Com a errada visão de que o povo se contenta com ela e para alcançar a cultura, é preciso acreditar nela. O que falta.
No livro único no gênero no país, "História da Literatura Brasileira da Carta de Caminha aos Contemporâneos" , qual foi a sua forma de pesquisa?
A minha História da Literatura diferente de todas as outras, que são em regra concisas e didáticas, trata corajosamente dos contemporâneos, é escrita com invenção, experiência nos gêneros e cuidado na linguagem, sendo um olhar amoroso sobre a literatura ou porque não, um romance da História do Espírito.
Quando você cria um protagonista para a sua história quais são as características imprescindíveis?
Não admiro os vilões, nem o trabalho escatológico.
Creio na grandeza do espírito humano, creio na metamorfose.
O homem pode trazer dentro um animal, mas pode chegar à superação.
Diverso de Kafka, em que o homem se torna inseto e continua irremediavelmente inseto, penso que o inseto pode voltar ao homem.
Não acredito nessa inevitável condenação. A literatura eleva e transforma. Sou um procurador de almas.
O senhor poderia antecipar uma história que gostaria de escrever, mas ainda não escreveu?
Não posso. O que vou escrever, só saberei escrevendo.
Como disse, as palavras e os seres que me inventam e as coisas ou são mágicas ou não têm razão de existir.
O senhor está lançando "A Senhora Nuvem" – ficção?
Letícia, a Nuvem é uma persona que me visitou antes, como cavaleira andante, quixotesca na “Engenhosa Letícia do Pontal”, visitou-me agora nesse livro que se debruça sobre a vida e a criação, lembrando “Monsieur Teste”, de Valéry.
Ainda que tenha o formato diverso.
Como incentivar novos valores? E, como o senhor vê a poesia brasileira?
Devemos crer tanto na própria criação e nos seres que nos inventam, que fazemos os outros acreditarem e a poesia e a criação brasileira contemporânea não deve nada à melhor criação europeia ou dos Estados Unidos.
Ao contrário, é o húmus que refaz o cansaço da velha tradição. Um novo rosto.
O sopro desconhecido e selvagem do que é vivo.
O Senhor chegou no que se pode dizer o topo da carreira literária no Brasil como acadêmico da ABL, o que mais está na sua lista de desejos?
O que desejo não sei mais. Basta alcançar.
É a vida que nos prepara o acontecer e Deus rege a história.
Fale do seu livro Invisíveis, o que o motivou? A idade da aurora, os viventes? Como é um vento muito branco?
Os Invisíveis tratam das tragédias brasileiras, através do verso.
A tragédia ecológica de Mariana, Brumadinho, a Amazônia e o incêndio do Museu Nacional. Tudo por industriosa e desastrada operação do homem.
O homem tem destruído a natureza e ela vai destruindo o homem.
A Idade da Aurora trata da Fundação do Brasil na linguagem e o Vento muito branco fala da intimidade com o Espírito Santo, que nos leva e não se sabe aonde vai.
No futuro, como o senhor gostaria de ser lembrado pelas gerações que virão?
Serei lembrado como alguém que, tendo amado as palavras, conseguiu que as palavras o amassem.
Agradeço imensamente sua atenção e saiba que o senhor tem a minha profunda admiração.