Publicado em 24/06/2012 as 12:00am
Brasil acelera obras para enfrentar crise e mostra influência estatal na economia
Mais de 40 mil operários trabalham no complexo portuário em Ipojuca (PE), no Nordeste do Brasil, construindo uma refinaria para a companhia estatal de petróleo,a Petrobras. Cinco mil outros labutam em um estaleiro, outro projeto do governo. Os preços dos
Mais de 40 mil operários trabalham no complexo portuário em Ipojuca (PE), no Nordeste do Brasil, construindo uma refinaria para a companhia estatal de petróleo,a Petrobras. Cinco mil outros labutam em um estaleiro, outro projeto do governo. Os preços dos imóveis estão subindo e o desemprego está caindo nesta região na costa do Atlântico, antes conhecida por sua pobreza.
Em uma demonstração da influência extraordinária que o governo do Brasil exerce em quase todas as áreas importantes da economia, a presidente Dilma Rousseff está acelerando uma série de projetos de estímulo por todo o país, visando conter uma desaceleração que reduziu o crescimento econômico do Brasil a um ritmo de lesma.
A assertividade de Dilma na ampliação do papel do governo na moldagem da política econômica não é muito diferente do investimento liderado pelo Estado na China, um modelo cada vez mais popular no mundo em desenvolvimento. Os gastos de estímulo do Brasil ajudaram a preservar empregos, manter o desemprego em uma baixa história de 5,8%, em comparação a 13% há uma década. Passados meses da forte desaceleração, os índices de aprovação de Dilma estão acima de 60%.
Mas em um eco do debate sobre o alto endividamento do governo nos Estados Unidos e na Europa após a recessão global, as ações de Dilma estão começando a enfrentar resistência no Brasil. Alguns especialistas temem que o Brasil esteja se tornando dependente demais da intervenção do governo para atenuar os altos e baixos de uma economia que permanece atada aos ciclos dos commodities; outros temem que a criação de campeões apoiados pelo Estado no mundo empresarial dê ao governo ainda mais poder para ditar mudanças de políticas, minando potencialmente a exposição do Brasil às forças de mercado.
Os economistas daqui ainda têm lembranças infelizes do pós "milagre brasileiro" do final dos anos 60 e início dos anos 70, quando um boom comandado pelo Estado promoveu rápido crescimento por algum tempo, mas terminou em forte inflação, baixa produtividade e uma reestruturação radical da economia.
"O governo está dando andamento a projetos de proporções faraônicas, quando áreas como saneamento básico precisam de atenção urgente", disse Sérgio Lazzarini, um economista da Insper, uma faculdade de economia e administração de São Paulo, que escreveu extensamente sobre o capitalismo de Estado do Brasil.
O esforço de investimento já está exibindo sinais de tensão. Tantos projetos de infraestrutura foram aprovados ao mesmo tempo, incluindo estádios para a Copa do Mundo de futebol em 2014 e usinas hidrelétricas na Amazônia, que o governo está tendo dificuldade para gastar todo o dinheiro alocado. Por exemplo, apenas um quinto dos US$ 7 bilhões destinados para projetos de estradas em 2012 foi gasto.
Em Ipojuca, as empreiteiras dos projetos públicos estão atraindo trabalhadores de outras prioridades do governo, como a construção de uma rede de canais de concreto no sertão, o interior semiárido do Nordeste do Brasil. Atrasos e estouros de verba, em parte devido à escassez de mão de obra, atormentam grandes trechos desse projeto, que faz parte de um esforço de US$ 4 bilhões para desviar as águas do Rio São Francisco para os vilarejos que necessitam de irrigação.
Dilma defende vigorosamente sua resposta à desaceleração (o Brasil apresentou um crescimento de 0,2% no primeiro trimestre). Em um discurso neste mês, ela fez uma comparação com as políticas de austeridade na Europa, onde mais da metade dos jovens em alguns países está desempregada.
"Nós não temos uma visão que acha que o ajuste é justificável e pode levar a que 54% da população de jovens de um país fique sem emprego", ela disse. "Nós nunca achamos isso. Nós temos uma política de defesa do emprego brasileiro, sim."
A posição de Dilma reflete o espaço de manobra fiscal do Brasil, desde que melhorias na arrecadação de impostos e um aumento anterior da atividade econômica ajudaram a reforçar as finanças do Estado. Mas o pensamento dela também está enraizado na forte tradição do Brasil de liderança do governo na economia.
As pessoas no comando das empresas estatais do Brasil argumentam que o país ainda precisa desses grandes projetos para consolidar os ganhos na redução da desigualdade.
"É um catalisador de geração de empregos", disse Maria das Graças Foster, a presidente-executiva da Petrobras, a companhia nacional de petróleo, em uma entrevista, referindo-se às políticas que obrigam a Petrobras a comprar navios feitos no Brasil, apesar de os estaleiros apoiados pelo Estado estarem atolados em atrasos.
O Brasil tem uma rede de empresas de energia controladas pelo Estado, incluindo a Petrobras, e bancos como o Banco do Brasil, que tem a maior carteira de crédito da América Latina em ativos.
Mais sutilmente, mas talvez com impacto mais duradouro, as autoridades também exercem influência econômica por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma instituição no Rio de Janeiro que inchou, emprestando quatro vezes mais do que o Banco Mundial empresta ao redor do mundo.
Como o Banco Mundial, o BNDES financia grandes projetos de infraestrutura que visam reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento. Fundado em 1952, o banco permaneceu sob controle do Estado durante a onda de privatizações do Brasil nos anos 90, até mesmo financiando muitos dos leilões de empresas estatais.
No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010, o banco expandiu-se agressivamente, adquirindo participações minoritárias em várias empresas privadas. Algumas são imensas, como o JBS, o maior frigorífico de carne bovina do mundo. Outras são novas empresas, como a Bug Agentes Biológicos, que produz vespas que combatem as larvas que ameaçam as plantações de soja.
Juntos, o BNDES e os fundos de pensão das grandes estatais possuem participação acionária em quase 200 empresas brasileiras, em comparação a 95 uma década atrás. Em alguns casos, essas participações permitem ao governo derrubar poderosos líderes corporativos. Ele exibiu essa capacidade em 2011, quando forçou Roger Agnelli, o presidente-executivo da gigante de mineração Vale, a renunciar após ter irritado as autoridades com a demissão de 1.300 funcionários e a redução dos investimentos no Brasil.
O governo de Dilma Rousseff está exibindo seus dentes para a elite financeira do Brasil novamente neste ano. Ela aproveitou a desaceleração econômica como uma oportunidade para persuadir os bancos privados do Brasil a baixarem seus juros, que até recentemente estavam entre os mais altos do mundo, ao fazer com que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, outro grande banco estatal, reduzissem suas próprias taxas de juros.
Inicialmente, a resposta do poderoso establishment bancário do Brasil foi tépida.
"Alguém já disse que você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água", disse Rubens Sardenberg, economista-chefe da poderosa associação de bancos Febraban em São Paulo, em maio.
A reação do gabinete de Dilma foi dura. "O cavalo pode morrer de sede", disse um interlocutor do governo, refletindo a irritação da presidente.
A Febraban retirou rapidamente os comentários do economista e os bancos privados começaram a seguir os bancos estatais na redução dos juros.
Talvez ciente dessas reações, o establishment empresarial do Brasil raramente expressa críticas explícitas à intervenção do Estado na economia. Mas apesar de o Brasil permanecer bem mais receptivo ao investimento privado do que a vizinha Argentina, a preocupação está aumentando à medida que o crescimento empaca.
Apesar de cederem aos desejos dela, alguns interesses econômicos estão começando a se irritar com as políticas de intervenção de Dilma.
"Nós precisamos urgentemente mudar o curso", disse a influente revista de negócios "Exame" em um editorial neste mês, queixando-se do que chamou de "mão forte" de Dilma.
As preocupações surgiram com o aumento da dívida dos consumidores, com 9 milhões de brasileiros tomando empréstimos em 2011 pela primeira vez. Ao mesmo tempo, o valor de algumas das maiores empresas brasileiras caiu, e a moeda, o real, se desvalorizou frente ao dólar.
Ipojuca fica no Estado de Pernambuco, onde tanto as vantagens quanto as desvantagens da alta dependência do governo estão em exibição.
No lado positivo, está a resistência do Brasil em um momento de turbulência econômica global.
"É claro que estamos preocupados com o contágio atingindo nossas costas, mas não há um senso de crise no momento", disse Frederico da Costa Amâncio, presidente-executivo do porto de Suape, lar da refinaria da Petrobras que está em construção, ao lado de fábricas que produzem de tudo, de turbinas eólicas até batata chips.
Mas em vilarejos como a Agrovila Seis no interior, o investimento público tem sido uma faca de dois gumes. Após a bonança de 2007, quando as escavadeiras chegaram e capatazes começaram a contratar trabalhadores para cavarem os canais para desvio das águas do Rio São Francisco, o otimismo se dissipou após as empreiteiras começaram a suspender o trabalho no ano passado, aumentando os temores de elefantes brancos no sertão.
Dilma visitou pessoalmente os canteiros de obras em fevereiro. Posteriormente, ela prometeu aumentar o número de operários no projeto de 4.500 para 6.500 até o final do ano. Mesmo assim, a Agrovila Seis está cambaleando, refletindo a desorganização em um dos maiores projetos de infraestrutura do Brasil. As casas vazias dos trabalhadores dão para parte do vilarejo a sensação de uma cidade fantasma.
"Eu tento não me abater com minhas dívidas", disse Eliane da Silva, uma dona de restaurante no vilarejo, que tomou empréstimos para comprar equipamento; sua clientela, composta principalmente pelas equipes de construção, despencou. "Eu tento imaginar onde foi parar todo o dinheiro deste projeto."
Fonte: uol.com.br