Publicado em 18/12/2015 as 12:00am
Bloqueio é desproporcional, mas WhatsApp têm de cumprir lei, diz desembargador que liberou serviço em fevereiro
"Juízes têm as melhores intenções", afirma o desembargador Alencar
O desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí Raimundo Nonato da Costa Alencar ficou conhecido em fevereiro ao se tornar um dos magistrados que cassaram uma liminar que "desligava" o aplicativo WhatsApp no Brasil. A liminar de fevereiro punia a empresa por se recusar a fornecer o conteúdo de mensagens pessoais para um investigação policial de pedofilia.
Porém, em entrevista à BBC Brasil, o desembargador ressalta que a decisão favorável ao WhatsApp há dez meses não o impede de concordar com a argumentação inicial do juiz do Piauí Luiz de Moura Correia.
Ele apenas considerou que a suspensão nacional do serviço prejudicava, nas suas palavras, "gente que não tinha nada a ver com isso".
O desembargador criticou a recusa do WhatsApp - que ficou temporariamente suspenso entre quarta e quinta-feira - em novamente colaborar com investigações. Como alternativa a uma suspensão nacional, Alencar defende a aplicação de multas como forma de exercer pressão sobre empresas que, aos olhos da lei, obstruam o trabalho das autoridades.
Alencar pede ainda uma maior discussão sobre os entraves provocados pela descentralização legal da internet, que, na sua opinião, não são totalmente endereçados pelo Marco Civil aprovado este ano.
Confira os principais pontos da entrevista.
BBC Brasil: O senhor se surpreendeu que outro caso de "fechamento" do WhatsApp tenha surgido mesmo depois da decisão de fevereiro?
Raimundo Nonato da Costa Alencar: Não, porque compreendo os motivos que levaram tanto o juiz em Teresina quanto a juíza de São Bernardo do Campo a tomarem a decisão. Ambos não tiveram alternativa para tentar fazer com que a empresa colaborasse com as investigações de algo muito sério.
Infelizmente, a decisão foi um pouco desproporcional sob o ponto de vista jurídico porque prejudicaria pessoas que nada tinham a ver com a questão - no caso, os usuários do aplicativo no Brasil. Mas, assim como disse em fevereiro, acredito que deva haver maneiras de assegurar que a justiça chegue até os responsáveis.
BBC Brasil: Este caso seria mais um exemplo dos desafios jurídicos apresentados pelo perfil altamente globalizado das telecomunicações no século 21?
Alencar: Sim, pois no caso do WhatsApp a Justiça brasileira se vê em uma situação sob a qual os responsáveis pelo serviço não podem ser alcançados. O Marco Civil ainda não é a forma ideal de lidarmos com a complexidade de casos envolvendo a internet, por exemplo, e o judiciário às vezes se vê em situações angustiantes. Os juízes ficam de mãos atadas. Em um plano ideal, a empresa receberia uma multa exemplar se constantemente desobedecesse a determinações da justiça. No plano atual, como uma empresa estrangeira, a suspensão dos serviços acaba sendo a única decisão a tomar. Mas aí caímos na mesma situação.
BBC Brasil: O senhor concorda que este tipo de decisão pode ser interpretada como prejudicial à privacidade dos usuários e mesmo abrir precedente para tentativas de cerceamento da liberdade de expressão?
Alencar: Acredito que o judiciário brasileiro está equipado para coibir abusos e evitar exageros, embora não haja garantia alguma de que algum tipo de ação mais exagerada vá ocorrer. E tampouco creio que decisões como essa prejudiquem a imagem do judiciário. Os juízes que tomaram a decisão de suspender os serviços do WhatsApp tinham a melhor da intenções. O que esse caso ressalta é a necessidade de que diversos setores colaborem para uma solução.
BBC Brasil: Mas isso não passa a impressão de que o bloqueio seja visto apenas como uma tentativa inócua de retaliação?
Alencar: Os magistrados estão apenas fazendo seu trabalho, tentando buscar meios legais para que as autoridades realizem suas investigações. É preciso que o público entenda o que está acontecendo. As empresas de telefonia no Brasil também deveriam participar de um debate. Por que não acredito que esta situação também seja do interesse delas.
Fonte: Fernando Duarte - Da BBC Brasil em Londres