Chegou o Classificado do Brazilian Times. Divulgue ou busque produtos e serviços agora mesmo!

Acessar os Classificados

Publicado em 16/02/2022 as 10:30am

Coluna Arilda Costa

Entrevista com o escritor Renato Castanhari Renato Castanhari Jr., é publicitário da área de...

Entrevista com o escritor Renato Castanhari

Renato Castanhari Jr., é publicitário da área de criação, premiado em diversos festivais como o Clio Awards, London Festival, New York Festival e muitos outros no Brasil.

Começou como redator da Almap, Alcântara Machado Propaganda, onde ficou de 1977 a 84 atendendo contas como Volkswagen, Danone, Elma Chips, entre várias outras.

Em 1984 assumiu a direção de criação e do escritório de São Paulo da Artplan Publicidade, do Roberto Medina/RJ. Para em 1990 abrir sua própria empresa de publicidade.

Lançou seu romance Deus me Acuda em 2011 e em 2015 os dois primeiros livros do seu blog Ladeira da Memória, de crônicas e contos, criado também em 2011.

Você tem uma vasta experiência de mais de 40 anos na publicidade, como redator, diretor de criação, dono de agência. Como foi essa sua passagem de criativo de publicidade para a literatura.
- Verdade. Muito tempo criando campanhas, lançando produtos, produzindo eventos. Entrei na propagando porque meu professor na faculdade, Eloy Simões, que era redator na maior agência do país, a Almap, Alcântara Machado Propaganda, me ofereceu um estágio nas férias de julho, eu formava em dezembro. Acabei ficando 7 anos, atendendo contas grandes, grandes desafios.

Décadas depois, quando eu já estava na minha própria agência, pensei em como seria o escritório de Deus, ele certamente deveria ter um escritório, com vários ajudantes, atendentes. Anotei em um papel e guardei, estava com uma campanha para criar, não tinha espaço para esse tipo de ideia.

Meses depois dei de cara com o papel e a anotação sobre o escritório de Deus. Voltei a pensar na ideia. “Será que isso dá uma história, um romance, um livro? Será que eu conseguiria escrever um livro?”

Sempre encarei a vida como um grande desafio. E este poderia ser um novo desafio para quem há décadas vivia de escrever, criar. Acredito que o meu estilo de escrever tem muito a ver com a minha origem na publicidade, apesar de naquele momento não acreditar que tinha um estilo, até alguém que leu os primeiros capítulos dizer que sim. Sentei e foquei desenvolver a ideia do escritório de Deus. Escrevi três capítulos e cheguei à conclusão que dava uma história. Mostrei para uns amigos mais chegados e eles concordaram (um deles é que me disse que eu tinha um estilo próprio de escrever). A primeira parte do desafio estava atendida, achei que eu conseguiria escrever uma história. Precisava saber se conseguiria escrever um livro inteiro. Mas naquele momento não ia dar para saber, estava com outra campanha em andamento. Guardei.

Voltei a olhar cinco anos depois. Já estava em outro momento, cansado de toda pressão, ambiente da área da publicidade. Estava com a ideia de sair de São Paulo, ir para Ribeirão Preto, cidade da minha esposa, mudar de ares.

Desmontei o escritório de São Paulo, continuei atendendo clientes pelo escritório de Ribeirão, que eu já havia montado há alguns anos. Agora, com tempo para tentar fechar o desafio: se eu seria capaz de escrever um livro. Em 6 meses o livro estava pronto, mais um ano eu estava fazendo o lançamento do meu romance, Deus me Acuda, era o ano de 2011. No início deste ano, criei um Blog de Crônicas e Contos, o Ladeira da Memória, juntamente com um antigo companheiro dos tempos de Almap, o Campioni, ele fazendo ilustrações e eu agregando os textos. Quatro anos depois o Ladeira iria gerar dois livros através de

um projeto aprovado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo.

Então, essa passagem da publicidade para a literatura se deu meio que por acaso, por uma busca de tentar fazer algo diferente, se reinventar, apesar de continuar a atuar na publicidade até hoje.

Quando começa a escrever você já tem a história toda pensada e esquematizada ou vai deixando a imaginação fluir à medida que coloca as palavras no "papel"?

- É interessante isso. Acho que cada escritor tem um processo. Na grande maioria das vezes eu costumo iniciar sem ter a menor ideia de como termina. Costumo dizer que são os meus personagens que me contam a história. Depois eu conto para os meus leitores.

Soube que o seu romance, Deus me Acuda teria uma continuação. Ele é de 2011, a continuação ainda está nos planos?
- Comecei a escrever sem muito compromisso, uma atividade paralela à da publicidade que é a que me sustenta até hoje. Quando eu estava desenvolvendo o romance, os primeiros capítulos saíram fáceis, o protagonista, Deus, era um personagem muito conhecido por mim, cada um tem o perfil Dele no seu íntimo, uma forma pessoal de o reconhecer. Não quis fazer uma abordagem doutrinadora, mas mostrar que, independente da escolha religiosa de cada um, o escritório Dele é o mesmo, um só, seja branco, preto, amarelo, católico, espírita, mulçumano, não importa a linha escolhida. Com o desenrolar da trama, que tem duas narrativas, a do céu e do nosso plano, a história, que possui tons leves, bem-humorados e ao mesmo tempo sério, ficou mais densa. Como eu já disse, os personagens me contam a história, eu apenas organizo e exponho. Nesse momento, dei uma empacada, criei um Congresso que iria reunir os maiores nomes da história da humanidade, personalidades, filósofos, que iriam abordar este final dos tempos. Empaquei, parei de escrever, até que um sensitivo me disse que o livro teria uma sequência, talvez até duas. Isso me abriu para deixar o Congresso para o livro 2 e eu fechei o primeiro. Com o Blog, os livros do Blog, o livro 2, o Congresso, ficou adiado, apesar de eu já ter escrito vários capítulos, mas o tema continua denso, surgiu um embate entre o bem e o mal. Estou me preparando melhor para finalizar.

Quando não consegue ir adiante você rasga o papel, quebra tudo e pisa em cima? Você tem um momento certo do dia reservado para escrever?
- Hehehe... tem hora que a coisa flui, mas tem hora que a coisa empaca. No caso do romance, senti que eu não estava preparado para encarar as complexidades que estavam surgindo. Para mim, escrever sobre Deus ou seu assistente, meio puxa-saco, Enéas, é fácil, ele não está em um pedestal, tem a minha imagem e semelhança. Mas escrever sobre personalidades conhecidas que irão se apresentar no Congresso, como Gandhi, Jesus, Maomé, Calvino, Buda, entre outros, exigem mais conhecimento, pesquisas, responsabilidades.

Quando estou escrevendo minhas crônicas e contos, algumas vezes a coisa não rende. Depende muito do nosso momento, preocupações. Para mim, escrever vem de dentro pra fora, é colocar em letras e frases o que você tem no seu interior, e as vezes o nosso interior não está em um bom momento. Melhor dar um tempo. Eu paro, vou caminhar, pegar uns Pokémons, depois eu volto e vejo se a energia flui. Por isso gosto de escrever logo cedo, logo que acordo, dificilmente escrevo no final do dia, na madrugada. Outros escritores já possuem outra forma de se comportar, conheço um que adora escrever depois da meia noite. Depende mesmo de cada um.

Quando uma palavra ou expressão lhe escapam, você...
- Eu me socorro na tecnologia. Bendito Google!

Quando coloca The end é mesmo a palavra final ou faz o gênero arrependido cujo moto é work in progress?

- Tenho dificuldade em ficar revendo o que escrevi, alterando, atualizando. Como eu disse, escrevo para por para fora, e aquele momento de por para fora certamente será diferente de dias ou meses depois. Tanto que muitas vezes releio textos do Ladeira da Memória de anos atrás, que alguém clicou e o Wordpress me avisa o acesso, e me surpreendo. Fico pensando que não conseguiria escrever aquele texto, daquela forma, com aquela intensidade, hoje.

Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?

- Tive dois: O primeiro, tentar encarar o desafio de escrever o romance. Ao vencer este e me convencer que poderia ser um redator de publicidade e também um escritor de literatura, surgiu o segundo. Quando escrevi os primeiros capítulos do romance e enviei para amigos criticarem, uma querida amiga do Rio, a Iza Tauil, me retornou dizendo que tinha gostado e que eu deveria montar um blog de crônicas e contos. Eu questionei a razão, que tipo de temas eu iria abordar, quem iria se interessar. E ela me disse que o estilo de texto que eu tinha era perfeito para um blog, que os temas viriam naturalmente. Nunca tinha pensado em me dedicar a isso. E aí, tentei. Era o ano de 2010.

E de onde surgem os temas dos textos do Ladeira da Memória? Qual o seu processo de criação? Um escritor está sempre absolutamente consciente do que faz?
- Pinço os temas das postagens do Ladeira no que está acontecendo no momento, notícias, questões, comportamentos, polêmicas, e nesse sentido, além dos noticiários da web, as mídias sociais são as minhas principais fontes temáticas. Que acabam também sendo importantes para divulgar o trabalho.

Quando eu tinha a participação do Campioni, a gente trocava diariamente mensagens, ele propunha algo, me mostrava uma ilustração antiga ou nova que havia feito e eu criava um texto em cima. Em outras vezes, eu enviava um texto que havia redigido, ele criava a ilustração a partir dele. Era um processo de criação como o que tínhamos nos tempos da publicidade, feito por duplas, o redator e diretor de arte.

Nestes tempos de pandemia, por exemplo, comecei a fazer um Diário de Bordo, desde o primeiro momento que surgiu o evento do Covid. Isso rendeu uma série que nesses dois anos deverá se transformar no próximo livro do Ladeira. Estou em busca, neste momento, de apoio para viabilizar o Diário de Bordo Ladeira da Memória, um registro que servirá para gerações futuras terem uma Linha do Tempo deste momento tão dramático e transformador para todos nós. É uma forma de contribuir, deixar um legado, consciente do escritor. Muitas vezes, não temos consciência exata do que estamos fazendo, a história acaba por determinar isso.

Eu não escrevo para me mostrar inteligente, esperto, sábio, erudito. E neste sentido, minha origem na publicidade me aproxima da linguagem natural das pessoas, do coloquial, sem muitos adornos ou ostentações. É a essência da linguagem direta, clara, unida com o cuidado criativo da literatura.

O mais difícil: a primeira ou a última frase?
- Ahhhh... as duas, talvez mais a última. É importante começar bem, mas fechar bem um texto é fundamental, principalmente em textos curtos como as crônicas e contos do Ladeira.

Cite dois grandes mestres.
- Com o passar dos anos, os mestres vão se acumulando, mas o primeiro, no meu caso, foi Monteiro Lobato, quem me fez me apaixonar pela leitura, quem me apresentou as reinações de Narizinho, Emília, Pedrinho, Tia Nastácia e toda turma.

Depois, na adolescência, Agatha Christie. E na crônica, Rubem Braga e Luiz Fernando Veríssimo.

Como é que você vê a produção literária brasileira nos dias de hoje?
-  Vivemos um momento de transição em todos os sentidos hoje em dia, sabemos que será diferente do que era feito há alguns anos, sem a certeza de como será daqui para frente. Hábitos estão mudando, os tipos e interesses pela leitura também, a tecnologia interferindo de forma decisiva, alterando formatos, mídias, a própria existência das livrarias, editoras. Por outro lado, tem muito mais pessoas se arriscando a escrever e se expor, até porque, se expor é a atividade mais praticada nos dias de hoje.

De uma forma geral, o aumento de novos escritores não significa maior qualidade, o que ficou também muito relativo dada as preferências dos novos leitores e hábitos de leitura. Portanto, neste momento, o mais importante é que as pessoas tentem produzir, buscar novos caminhos e maneiras de por para fora suas criações.

Uma frase, sua ou de outro escritor que define você e pela qual você gostaria de ser lembrado no futuro.
- A gente já leu muita coisa com as quais se identifica, já tentou colocar “no papel” muita coisa que espera deixar como legado. Nos dias tumultuados de hoje, com tantas perdas, incertezas sobre o que nos reserva o futuro, a “Esperança” talvez seja a palavra mais invocada. E por uma estranha coincidência, ontem alguém entrou em uma postagem do Ladeira, em um texto cujo o título é “Esperança”, de 8 anos atrás. Não sei se serei lembrado no futuro por algum texto ou frase minha, mas esta postagem tem uma frase bem apropriada para os dias de hoje:

“A Esperança nasce da espera, da certeza sem explicação de que no fim tudo dá certo, se ainda não deu, é porque não chegou ao fim”.

O link desta postagem para quem se interessar em ler o texto todo:

https://ladeiradamemoria.wordpress.com/2014/05/06/esperanca

Top News