Publicado em 6/07/2023 as 8:00pm
Amando em Língua Estrangeira: Como Ser Feliz num Relacionamento Intercultural
Coluna Viver Bem em NY por Liza Andrews
Algumas pessoas são fisicamente carinhosas. Outras se expressam melhor verbalmente. Umas adoram dar e receber presentes. Outras precisam passar mais tempo juntas. Se relacionamentos na mesma cultura já apresentam desafios no que diz respeito à "linguagem emocional," imagine quando adicionamos diferenças culturais?
Os brasileiros que se mudam para Nova Iorque sempre relatam os desafios de lidar com estrangeiros. No que tange os amigos, apesar dos eventuais altos e baixos de qualquer adaptação intercultural, a maioria das experiências têm saldo positivo. Para os que trabalham, lidar com empregadores que socializam pouco, demandam resultados e possuem baixa tolerância aos problemas pessoais do empregado, é um choque cultural. Algo desagradável, porém, superável após semanas ou meses. A experiência mais desafiadora, e comum à maioria dos indivíduos que moram no exterior, é casar-se e construir uma família com alguém de uma cultura diferente.
Envolver-se romanticamente com uma pessoa de cultura estrangeira pode ser fantástico e gerar grande crescimento pessoal e intelectual. Para os que entram desavisados, no entanto, pode se tornar uma experiência frustrante e dolorosa. Com base no depoimento de terapeutas e entrevistas com brasileiros e seus parceiros estrangeiros, discutiremos os benefícios, possíveis problemas e o que fazer para ter sucesso numa relação intercultural.
Uma pesquisa sobre casamento intercultural publicada pela revista Psychology Today em 2019, já alertava para a importância de aceitar a herança cultural do seu parceiro. Mas aceitar não é sempre uma tarefa exeqüível. Algumas diferenças culturais são abismais e se não houver clareza e preparo para lidar com elas, o amor rapidamente se desintegrará, restando apenas o problema.
A primeira dica é: embora amor e atração sejam fundamentais, eles não podem ser os únicos fatores nas tomadas de decisão sobre relações românticas e planos familiares. Principalmente para os que vivem num país estrangeiro e podem não ter uma comunidade para apoiá-los, em caso de crise. Considerem os seguintes fatores:
Tradições e religião
As tradições e a religião são os pilares de qualquer cultura. Baseados nelas, se estabelecem costumes do cotidiano, valores e até mesmo noções fundamentais sobre o certo e o errado. Se você é alguém de mente aberta e gosta de aprender novas tradições, um relacionamento transcultural pode ser fascinante e relativamente fácil de navegar, uma vez que você aprenda, e sinta-se confortável na cultura de seu parceiro. Mas isso não ocorre através de mera acomodação.
Anos atrás, numa festa em Manhattan, testemunhei pela primeira vez, uma situação de choque cultural com consequências sérias. Havia esse jovem casal: a moça, brasileira e católica. O rapaz, americano e judeu. Eles estavam noivos, e explicavam para um homem de meia idade que um deles se converteria à religião do outro, assim que decidissem qual seria a religião de seus futuros filhos. O senhor—que descobri ser tio da moça—riu e disse, "Vocês se preocupam demais. Eu e minha mulher tínhamos o mesmo problema e nunca falamos no assunto. Levávamos nosso filho aos dois templos pra que ele se decidisse quando crescesse. E olha só." Ele apontou para o filho de 17 anos, sentado ao lado dele. "Cresceu tranquilo."
O garoto explodiu. "Tranquilo e confuso, pai. Os católicos me chamam de judeuzinho. Os judeus dizem que a mamãe não se converteu, e eu não sou um deles." Ninguém sabia o que dizer. Mais tarde, soube que o garoto estava tendo problemas com alcoolismo por não ter amigos. Foi internado numa clínica de reabilitação após, na ausência dos pais, ter levado pra casa um estranho que conhecera num bar. Quando o garoto dormiu, o sujeito roubou jóias e outros objectos de valor.
Um dos primeiros problemas— talvez o mais sério—do casamento transcultural é lidar com as diferenças religiosas. Comece seu relacionamento amoroso de maneira inteligente, falando sobre o que você e seu parceiro esperam de sua jornada espiritual e futuramente, como pais.
Dica: Religião é um ponto forte na criação dos filhos, mas há inúmeros outros fatores que envolvem você. Antes de se pensar na família a construir, teste seus próprios limites. As crenças religiosas, tradições e valores de seu parceiro podem ser algo que você não conseguirá aceitar, ou precisará de tempo para se ajustar. É preciso aprender o máximo sobre a cultura do outro, e experimentar fazer parte dela, antes de se comprometer.
Suporte familiar e distribuição de tarefas
"Ainda tem muita gente aqui que se apaixona por alguém, e a família não aceita outras culturas," disse Mônica, uma mineira evangélica que se apaixonou por um judeu de Nova Iorque. "Alguns vão em frente e se desligam daquela comunidade, mas no longo prazo, isso causa arrependimentos e ressentimentos."
Mônica me contou que seu namorado Samuel não era judeu ortodoxo, e problemas de aceitação familiar nem passaram pela cabeça dela. Mas Samuel ficou muito desconfortável quando eles esbarraram com um tio dele na cidade. Foi a primeira vez que conversaram sobre o assunto. Mônica descobriu que a mãe de Samuel tinha falecido poucos anos antes, e feito os dois filhos prometerem que se casariam com mulheres judias. "Ele tentou me convencer que não desistiria de mim por causa disso, mas os seis meses que namoramos foram uma montanha-russa. Às vezes ele estava super feliz. Às vezes se roendo de culpa. Acabei desistindo."
Há, no entanto, histórias positivas onde o casal encontra um final feliz. Conheço duas brasileiras que se converteram à religião dos maridos. Uma delas me disse que foi criada no catolicismo, mas não era religiosa o bastante. "Como meu marido era um budista praticante, adotei a religião dele pros nossos filhos não viverem na confusão. Nunca me arrependi."
Acomodações culturais e religiosas parecem mais improváveis quando envolvem papéis de gênero bastante definidos e rígidos. Não encontrei nenhum brasileiro que tivesse passado por esta experiência para entrevistar. Mas em tempos onde as mulheres lutam arduamente por igualdade e independência, culturas onde a mulher não pode ter uma carreira, ou precisa de permissão do marido para fazer o que deseja, parecem ter o menor índice de tolerância. Em muitos casos, mesmo quando existe atração entre duas pessoas que trabalham ou estudam juntas, se o gap entre os estilos de vida parecer intransponível, o namoro nem se inicia. Quando ocorre, raramente dura.
Dica para mulheres procurando romance na Big Apple: É comum dizerem que os nova-iorquinos são workaholics (viciados em trabalho,) mas fique atenta. Alguns homens frequentando os bares sofisticados de Manhattan, fingem trabalhar demais para encobrir uma vida dupla. Eles são heterossexuais, acima de 40 anos, vivendo em Nova Iorque e periferias. Podem ser americanos ou estrangeiros, bem sucedidos, e dispostos a gastar muito dinheiro para impressionar suas conquistas. Para alguns, fisgar uma brasileira é um troféu.
Se você tiver dúvida se o bonitão puxando papo é um desses, converse, mas sugira outros planos apenas para os fins de semana. Se ele nunca puder te encontrar nesses dias, alegando "ser um executivo importante, sempre viajando pra fechar negócios milionários em outras cidades," não perca seu tempo. Eles são homens casados. Ficam num apartamento ou hotel em Manhattan, de segunda à quinta, por causa do trabalho, enquanto suas esposas estão na residência oficial nos subúrbios, ou na região praiana dos Hamptons. Nos fins de semana, eles voltam pra casa. Não permita que pessoas sem caráter tirem proveito da sua tolerância e desejo de se adaptar culturalmente, para inventar histórias e vendê-las como algo costumeiro numa cidade que você não conhece.
Na próxima edição, a coluna Viver Bem em Nova Iorque vai finalizar esse tema, mostrando mais benefícios e desafios de um relacionamento intercultural, como evitar situações de conflito, e dicas imperdíveis para quem está buscando romance na Big Apple. Acompanhe e envie perguntas e sugestões para a colunista acessando PictureCure.com/contact