Coluna Coração em sintonia:

Dr. Gian Lima é médico cardiologista, formado pela Universidade de Pernambuco e residência em clínica médica e posteriormente cardiologia pela University of Connecticut. Autor de diversos artigos publicados e trabalhos apresentados em conferências internacionais, Dr. Gian Lima traz toda a sua experiencia para a coluna “Coração em Sintonia”, com objetivo de esclarecer assuntos importantes para saúde cardiovascular de seus leitores, além de estimular mudança de hábitos para uma vida mais saudável.

Seu Cristovão e Dona Laurinda nasceram no interior da Paraíba na década de 1910. Viveram a maior parte da vida no interior, trabalhando duro em sua fazenda, com pouco acesso à educação formal ou acompanhamento médico. Seu Cristovão faleceu de câncer colorretal aos 94 anos, e Dona Laurinda de pneumonia aos 92 anos. Somados todos os irmãos de Seu Cristovão e Dona Laurinda (ao todo 15 pessoas), todos alcançaram a marca de pelo menos 85 anos bem vividos.

A geração seguinte (dos seus 5 filhos) viveu uma vida bem diferente: conquistaram diplomas universitários, morando em cidades movimentadas, com acesso aos melhores médicos da região. O mais velho faleceu aos 68 anos, de complicações da diabetes e acidente vascular cerebral. Na geração seguinte, um dos netos de Seu Cristovão e Dona Laurinda sofreu infarto agudo do miocárdio aos 45 anos.

Ao longo do último século, diversos avanços tecnológicos revolucionaram a humanidade, desde o desenvolvimento da internet até conquistas aeroespaciais. Na medicina, especialmente na cardiologia, fomos capazes de criar diversos dispositivos para tratar um "ataque cardíaco" (e suas complicações) de forma nunca antes imaginada — stents coronarianos, desfibriladores implantáveis, transplante cardíaco, para mencionar apenas alguns.

Entretanto, apesar de tantos avanços tecnológicos, a expectativa de vida pouco mudou. Sim, de fato melhoramos muito no tratamento de doenças infecciosas (como a outrora temida tuberculose, antigamente considerada uma “sentença de morte”, mas hoje facilmente tratável com antibióticos), ou no tratamento de doenças inflamatórias agudas que necessitam de cirurgia de urgência, como a apendicite aguda. Porém, doenças crônicas como diabetes mellitus, hipertensão arterial, obesidade, e consequentemente doenças cardiovasculares, continuam sendo o maior desafio para a medicina moderna, e a maior causa de mortes no mundo.

No mundo de Seu Cristovão e Dona Laurinda, a dieta era basicamente formada por alimentos naturais, a maioria proveniente de sua própria fazenda, com poucos (ou nenhum) aditivos químicos ou produtos fortemente industrializados. Seu Cristovão e Dona Laurinda também não tinham redes sociais. Nunca perderam o sono porque não receberam centenas de curtidas ao postarem uma foto tirando leite de vaca às 6 da manhã. Seu Cristovão e Dona Laurinda tinham pouco conhecimento do mundo exterior, não foram afetados pelo colapso econômico americano de 1929, e sequer se estressaram com a Segunda Guerra Mundial.

Seu Cristovão e Dona Laurinda não frequentavam uma academia 24 horas com personal trainer. Porém, acordavam às 5 horas para trabalhar na fazenda, sete dias por semana durante mais de 60 anos. E o faziam com prazer. Sem necessidade de monitorar a porcentagem de gordura corporal semanalmente.

O mundo moderno está repleto de novas facilidades que são verdadeiras armadilhas para nossa saúde orgânica e mental (se é que dá para separar essas duas "saúdes").

Infelizmente, a grande maioria das pesquisas e dos trabalhos publicados na cardiologia atual está totalmente voltada ao tratamento dos casos mais terminais da doença, enquanto pouquíssima atenção é dada à prevenção cardiovascular. Devemos lembrar, porém, que nenhum remédio ou dispositivo implantável, por mais eficaz e altamente tecnológico que seja, será tão bom comparado à simples situação de não ter aquela doença — no nosso exemplo, por ter-se optado pela prevenção cardiovascular com um estilo de vida saudável.

Às vezes, uma vida mais simples pode nos trazer muito mais bem-estar físico e qualidade de vida do que imaginamos. Se fecharmos os olhos e respirarmos profundamente, quem sabe, poderemos ouvir os sábios conselhos de Seu Cristovão e Dona Laurinda.

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