Apoiar ou Opor-se: Autoridades Locais Debatem a Ameaça de Deportações em Massa de Trump

A região de San Diego, assim como outras comunidades próximas à fronteira sul, experimentou uma queda significativa no número de migrantes entrando nos Estados Unidos após o governo Biden dificultar o processo de solicitação de asilo. No entanto, milhares de imigrantes que atravessaram a fronteira não foram esquecidos, e, embora muitos tenham se deslocado para outras partes do país, alguns ainda permanecem em San Diego e em seus arredores, sem documentação.

Agora, com o presidente eleito Donald J. Trump prometendo realizar deportações em massa, líderes de San Diego estão avaliando até que ponto devem proteger aqueles vulneráveis à deportação e qual deve ser o nível de cooperação da polícia local com os agentes federais. Discussões semelhantes estão ocorrendo em todo o país, após Trump ter conquistado a Casa Branca com a promessa de restringir a imigração e reforçar a segurança nas fronteiras.

Entretanto, poucos locais testemunham essa disputa de maneira tão intensa quanto o Condado de San Diego, localizado na fronteira entre a Califórnia e o México, onde, por algumas semanas neste ano, o número de cruzamentos foi maior do que no Texas e no Arizona.

Após a vitória de Trump, o Conselho de Supervisores do Condado de San Diego tomou medidas para aumentar as proteções aos migrantes, exigindo que os agentes federais obtenham um mandado judicial para prender imigrantes indocumentados em prisões locais, proibindo entrevistas investigativas de oficiais de imigração dentro das prisões e impedindo o uso de recursos do condado em ações de imigração.

Apesar de estar em um estado com algumas das leis mais rigorosas para proteger imigrantes indocumentados, o Condado de San Diego intensificou a luta contra a aplicação das leis de imigração, e as novas proteções receberam críticas rápidas e intensas. Não foi apenas o czar da fronteira nomeado por Trump que se opôs ao mandato de mandados. A xerife local, responsável pelas prisões do condado, afirmou que não cumpriria a exigência.

A oposição da xerife, que, como a maioria dos supervisores do condado, é do partido Democrata, destaca as tensões crescentes sobre imigração, mesmo entre autoridades que anteriormente poderiam ter se considerado mais alinhadas.

Em um sinal adicional de atrito em San Diego, a presidente do Conselho de Supervisores, Nora Vargas, anunciou que renunciaria, apenas semanas após sua reeleição. “Por questões de segurança pessoal, não tomarei posse para o segundo mandato”, afirmou em uma publicação nas redes sociais.

A questão da cooperação entre as prisões locais e a Imigração e Alfândega (ICE) tem sido uma preocupação de longa data para as autoridades federais. Essa cooperação, no entanto, será crucial para os esforços da administração Trump em aumentar as deportações.

Quando um imigrante é preso e tem suas impressões digitais coletadas, as informações são enviadas ao ICE. Ao descobrir que o imigrante está sob custódia, o ICE frequentemente envia pedidos — chamados de "detainers" — para que a prisão local avise com antecedência a liberação do imigrante, permitindo que os agentes federais o prendam.

Nos últimos seis anos fiscais, os oficiais do ICE emitiram mais de 100.000 desses pedidos, embora os números tenham caído durante a pandemia. Durante os anos fiscais de 2018 e 2019, sob a administração Trump, o ICE enviou mais de 300.000 pedidos desse tipo.

As deportações ocorreram sob todos os presidentes modernos, e foi sob a administração de Obama, um democrata, que o debate sobre as chamadas cidades santuário ganhou destaque.

Entretanto, foi a promessa de Trump de realizar deportações em massa que forçou os governos locais a se aprofundarem no debate sobre a aplicação das leis de imigração, afirmou Ahilan Arulanantham, co-diretor do Centro de Direito e Política de Imigração da Faculdade de Direito da UCLA. “Acho que as pessoas sentem o peso disso, porque a maioria acredita que Trump não pode realizar uma deportação em massa sem ampla cooperação dos governos estaduais e locais.”

Após as eleições, Los Angeles aprovou uma nova lei que proíbe o uso de recursos municipais para a aplicação de leis de imigração. No entanto, em outras partes do país, os oficiais estão reconsiderando suas relações com o ICE.

Em Nova York, o prefeito Eric Adams, também democrata, discutiu a possibilidade de uma colaboração mais próxima com o ICE e de alterar as leis locais de santuário para facilitar a detenção de migrantes nas prisões em nome dos agentes de imigração. Já na Virgínia, o governador Glenn Youngkin, republicano, propôs um orçamento que cortaria recursos de agências locais que se recusassem a responder aos pedidos do ICE.

Porém, o confronto em San Diego pode tornar a cidade um foco no debate sobre a cooperação local com as autoridades federais. Thomas D. Homan, nomeado czar da fronteira na próxima administração, afirmou ao New York Post que a nova política de San Diego é "10 vezes pior" que a lei estadual de santuário da Califórnia. Sob a nova política, os agentes federais precisariam de um mandado judicial para transferir um preso para a custódia do ICE ou mantê-lo além da data de liberação em nome dos oficiais federais.

A xerife do condado, Kelly Martinez, disse em um comunicado que, embora defender os direitos dos imigrantes indocumentados seja fundamental, é igualmente importante garantir que as vítimas de crimes não sejam negligenciadas no processo. Ela afirmou que apoia a lei estadual que limita a cooperação com as autoridades federais de imigração, permitindo a transferência de prisioneiros em conexão com certos crimes uma vez que se tornem elegíveis para liberação.

Sob a administração de Biden, o número de pessoas transferidas das prisões de San Diego para a custódia do ICE caiu drasticamente. No ano passado, 25 pessoas foram transferidas para o ICE após cumprirem penas por crimes como roubo, homicídio e tráfico de drogas. Em comparação, em 2017, o número foi de 1.143 pessoas, de acordo com o departamento da xerife.

É mais fácil e seguro para o ICE prender pessoas nas prisões do que nas ruas, e a agência pode prender mais pessoas dessa forma do que realizando prisões em casas ou no trabalho.

Corey Price, ex-alto funcionário do ICE, afirmou que seria praticamente impossível prender imigrantes nas prisões locais sem mandados. O tempo necessário para obter mandados individuais para cada caso "é insustentável", disse ele. “A lei é clara ao afirmar que um oficial de imigração só precisa de um mandado administrativo para prender um imigrante indocumentado.”

Arulanantham, professor da UCLA, disse que a exigência de um mandado judicial está de acordo com o devido processo legal e as proteções da Quarta Emenda contra buscas e apreensões irregulares.

Em relação aos detentos cuja pena já foi cumprida, um mandado seria a única forma legal de mantê-los até que o ICE os recupere, afirmou o professor. “Acredito que a transferência ou detenção de alguém sem mandado, após o cumprimento da pena, viola a Quarta Emenda.”

Ainda não se sabe como o conflito entre a xerife e o Conselho de Supervisores será resolvido. Defensores dos imigrantes locais argumentam que a Lei dos Valores da Califórnia exige que a polícia local também respeite as políticas locais sobre imigração.

Em uma carta à xerife, Ian M. Seruelo, presidente do Consórcio de Direitos dos Imigrantes de San Diego, expressou a esperança de que sua declaração tenha sido um mal-entendido sobre o alcance da lei estadual, e não um desrespeito à legislação estadual e aos direitos constitucionais.

Em entrevista, Seruelo, que também é advogado de imigração, destacou que qualquer colaboração entre a polícia local e os agentes de imigração prejudica a segurança pública, tornando os imigrantes menos propensos a denunciar crimes ou colaborar como testemunhas. “Muitas famílias em San Diego têm membros indocumentados,” afirmou. “Se a confiança na polícia local diminuir, muitos moradores de San Diego deixarão de denunciar crimes ou acessar serviços do condado.”

O único voto contrário no Conselho de Supervisores de San Diego veio de Jim Desmond, um republicano, que afirmou que já existem proteções para os imigrantes que denunciam crimes ou interagem com a polícia local, que é proibida de questionar sobre o status imigratório.

“Estamos falando de pessoas que já cometeram crimes, foram julgadas, condenadas e estão em nossas prisões,” disse ele. “Isso não tem nada a ver com denúncias, não coloca ninguém em risco. Tudo o que isso faz é permitir que nossos xerifes informem ao ICE sobre a custódia e liberação dessas pessoas.”