Publicado em 25/09/2020 as 2:00pm
'Goodbye, Brazil': Veja como a Flórida virou reduto da elite brasileira
"Disney style lover & Orlando, FL explorer" diz o perfil no Instagram da paulistana Carolina...
"Disney style lover & Orlando, FL explorer" diz o perfil no Instagram da paulistana Carolina Grabova, 41. Aos 17, ela participou do programa de estágio dos parques da Disney. Era para ser uma simples temporada, tornou-se uma vida: desde 1996 radicada em Orlando, Flórida, Grabova trabalha como modelo, influenciadora digital e um tipo de embaixadora especial brasileira no mundo mágico de Walt Disney.
"A Flórida tem um jeito casual de ser, um inverno ameno, praias lindas, o que é familiar para os brasileiros. Também é [geograficamente] o estado mais próximo ao Brasil", diz ela, que em 2020 foi a primeira brasileira escolhida para apresentar a Walt Disney World Marathon, uma maratona de 42 km realizada desde 1994.
Embora simbolize um estilo de vida "Orlando, FL explorer", Grabova considera difícil definir o estilo de vida dos brasileiros na Flórida, diante da diversidade de experiências. Entretanto, ela destaca qualidade de vida e segurança como pontos positivos que continuam a atrair conterrâneos para lá — dos 1,3 milhão de brasileiros morando em território norte-americano, estima-se que 300 mil se instalaram na Flórida, indica o Itamaraty.
Entre maio e agosto, o mercado imobiliário de casas de férias na cidade cresceu 38%, alavancado por brasileiros, segundo dados do The Grove Resort & Water Park, misto de hotel e desenvolvedor que oferece unidades "a 5 minutos" do Walt Disney World, como diz o site oficial.
Esperar 16 horas na fila do auxílio emergencial de R$ 600 não faz parte da realidade desses investidores. Segundo dados da consultoria Elite International Realty, cerca de 300 imóveis foram adquiridos por brasileiros entre Orlando e Miami, em 2019; na última década, a média anual foi 275. Em Miami Beach, o preço das casas de luxo subiu 61%, alavancado pela demanda brasileira, ultrapassando a marca de US$ 10 milhões (cerca de R$ 54 milhões).
Para Daniel Ickowicz, diretor de vendas da Elite International Realty, estrangeiros escolhem investir nos Estados Unidos, especialmente na Flórida, por fatores como segurança, sociedade, universidades e hospitais "super modernos". "Além disso, o clima de Miami é muito favorável para a prática de esportes náuticos, barcos, jet ski, bem como golfe. E Orlando é o centro dos parques de diversão para crianças, adolescentes e para se divertir ao ar livre."
Pré-pandemia, os Estados Unidos receberam 2,1 milhões de brasileiros; 70,9% viajando a passeio. Flórida foi o principal destino (58,12% dos turistas). Entre as cidades floridenses, Orlando (40,88%) e Miami (26,97%) lideram, segundo dados oficiais do NTTO (National Travel and Tourism Office).
Fato é que a Flórida e os brasileiros têm uma relação bilateral especial, conforme escreveu o diplomata Adalnio Senna Ganem no diário Miami Herald, em 2017. "Andando pela Lincoln Road em Miami Beach ou pelo Bayside Marketplace, não é incomum ouvir um ritmo diferente de palavras sendo ditas — é o português do Brasil. Na Ocean Drive, você pode pedir 'caipirinhas', a mais popular bebida brasileira. Em Wynwood, você pode ver o trabalho incrível de artistas brasileiros renomados, como Os Gêmeos, Nina Pandolfo, Eduardo Kobra e Pamela Castro. [...] Acima de tudo, você pode ver a felicidade dos brasileiros refletida na arte de Romero Britto", ilustrou o autor, à época cônsul-geral do Brasil em Miami.
Desde a década de 1980, a imigração brasileira rumo à Flórida aconteceu em três ondas, descreve Alex Guedes Brum, 29, autor de "Brasileiros no exterior: o caso da Flórida" (ed. Multifoco, 2018) e professor colaborador do curso de Relações Internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Principalmente nos anos 1990, migraram os brasileiros de classe média — eram os tempos do Plano Collor, que impulsionou negócios entre Brasil e Estados Unidos, e do Plano Real, que equilibrou a inflação e instituiu a paridade de R$ 1 para US$ 1. Empresas como Odebrecht, Embraer e Banco do Brasil se instalaram e transferiram funcionários para lá. Ao lado dos funcionários e suas famílias imigraram trabalhadores de apoio como babás, domésticas e motoristas. "Para quem tinha muito, era hora de investir. Para quem não tinha nada, valia tentar a sorte no exterior", diz Brum.
O momento também inspirou a abertura de lojas para turistas brasileiros e incentivou o fluxo de sacoleiros e sacoleiras que buscavam novidades de Miami para revender no Brasil. O fim da festa aconteceu em 1999, levando lojas brasileiras à falência. Embora desempregados, muitos brasileiros preferiram se realocar em trabalhos não-qualificados na própria Flórida.
Na segunda onda, de 1999 até a crise de 2007-2008, foi a vez da classe trabalhadora, compondo "enclaves brasileiros", nas palavras de Brum. Eles migraram sozinhos (sem família e filhos) para trabalhar na construção civil e infraestrutura, ou para arriscar em pequenos negócios.
Tudo mudou após o 11 de setembro: diante dos atentados, os EUA endureceram as regras de imigração e passaram a deportar imigrantes sem documentos (o que não acontecia com tanta frequência). Ante a crise, que estourou primeiro por lá, muitos brasileiros decidiram voltar ao Brasil.
A partir de 2009, passaram a migrar brasileiros das classes mais altas, e por razões menos ortodoxas. Entre os marcos da época estão as jornadas de junho (2013) e a crise política (2014). "Era a elite brasileira insatisfeita com o país. Eles não sentiam seguros, nem física nem financeiramente."
O custo de vida é um fator importante, segundo Aloysio Vasconcellos, 76, presidente da Brazilian International Foundation, que controla a BBG (Brazilian Business Group). Aos 25, ele foi estudar administração internacional nos Estados Unidos. "Era ditadura e eu não queria ficar no Brasil", lembra.
Em 1989, saiu do Citibank, onde trabalhava, e montou uma consultoria na área de investimentos internacionais em Nova York. Em 2000, mudou para a Flórida, "por duas razões: é mais quente e o custo de uma bela casa em Boca Raton, Flórida, é a metade de uma casa a 40 minutos de Manhattan".
Em 2006, Vasconcellos iniciou o BBG, uma iniciativa dedicada a integrar brasileiros na sociedade norte-americana. Em 2013, ajudou a fundar o Conselho de Cidadãos da Flórida. Em 2014 foi feito o primeiro censo sobre brasileiros residentes: entre 1.276 entrevistados, a maioria saiu do sudeste (principalmente Minas Gerais e São Paulo) e se instalou no condado de Broward, é adulto (28% na casa dos 36-45 anos, 27% entre 46-55 anos), casado (68%), autônomo com ensino médio e/ou superior, com renda renda familiar anual de US$ 36 a 55 mil, green card ou status de cidadão norte-americano. A maioria se declara democrata, mas não é registrada para votar nas eleições estadunidenses.
"Vive-se bem aqui na Flórida", diz Vasconcellos. "Quero dizer no sentido prático da palavra: tem escola, hospital, trabalho. Foi um 'acaso' demográfico e econômico a concentração de brasileiros aqui. É um clima bom, muita gente falando português e espanhol. Não é gente iletrada — não quero dizer 'analfabeto', quero dizer que tem certa escolaridade, que busca de um estilo de vida: ser feliz, acordar e trabalhar honestamente."
Nos tempos de universidade no Rio, Vasconcellos teve aula com o jurista Haroldo Valadão (1901-1987), que disse uma frase jamais esquecida: "brasileiro nato é quem nasce brasileiro".
"O que isso quer dizer? Que nós nunca deixamos de ser brasileiros. Pode ser um pouco romântico, mas não perdemos a brasilidade. Por isso talvez há sempre a ideia de 'um dia' voltar ao Brasil, mesmo muitos sabendo que nunca vão voltar. Por isso se discute, em português, política brasileira apaixonadamente, não importa há quanto tempo estamos fora. É um fenômeno. Mas, no fim, não vejo brasileiros da Flórida voltando ao Brasil. Vão voltar para quê?" (fonte: Uol.com.br)
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