Publicado em 28/12/2024 as 11:00am
A cidade nos Estados Unidos onde a posse de armas é obrigatória por lei para todos os moradores
Fonte: Da redação
Kennesaw, na Geórgia, possui todos os aspectos de uma cidade pequena típica do sul dos Estados Unidos.
O aroma de biscoitos frescos saindo do forno da Honeysuckle Biscuits & Bakery mistura-se com o som de um trem distante. É o tipo de lugar onde casais recém-casados deixam cartões de agradecimento escritos à mão nas cafeterias, enaltecendo a “atmosfera acolhedora”.
No entanto, há um outro lado de Kennesaw que pode surpreender algumas pessoas: uma lei municipal dos anos 1980 que exige que os moradores possuam armas de fogo e munição.
“Não é como se as pessoas andassem por aí com uma arma na cintura, como no Velho Oeste”, diz Derek Easterling, prefeito da cidade por três mandatos, que se descreve como um “ex-militar da Marinha”.
“Não vamos bater na sua porta e pedir para ver sua arma.”
A lei de armas de Kennesaw é clara: “Para garantir a segurança, proteção e bem-estar da cidade e seus habitantes, todo chefe de família residente dentro dos limites da cidade deve manter uma arma de fogo, além de munição.”
Moradores com deficiências mentais ou físicas, condenações criminais ou crenças religiosas conflitantes estão isentos da obrigação.
Até onde o prefeito Easterling e outras autoridades locais sabem, não houve processos ou prisões por violação dessa lei desde que entrou em vigor, em 1982.
E ninguém com quem a BBC conversou soube informar qual seria a penalidade para quem violar a lei.
Ainda assim, o prefeito ressalta: “Não se trata de uma lei simbólica. Não estou interessado em algo apenas para exibição”.
Para alguns, a lei é motivo de orgulho, um símbolo da adesão da cidade à cultura das armas.
Para outros, é fonte de constrangimento, uma parte da história que preferem esquecer.
A principal opinião entre os moradores, porém, é que a legislação contribui para a segurança de Kennesaw.
Os frequentadores da pizzaria local afirmam, enquanto saboreiam uma pizza de pepperoni: “Pelo menos os criminosos precisam se preocupar, porque se invadirem sua casa e você estiver lá, não sabem qual arma você tem”.
Não houve homicídios em 2023, segundo dados do Departamento de Polícia de Kennesaw, mas dois suicídios envolvendo armas de fogo foram registrados.
Blake Weatherby, zelador da Primeira Igreja Batista de Kennesaw, tem uma visão diferente sobre o motivo dos baixos índices de crimes violentos.
“É a mentalidade em relação às armas em Kennesaw que mantém os crimes com armas em um nível baixo, não as armas em si”, afirma Weatherby.
“Não importa se é uma arma de fogo, um garfo, um punho ou um salto alto. Nós nos protegemos e protegemos nossos vizinhos.”
Pat Ferris, que entrou para o conselho municipal em 1984, dois anos após a aprovação da lei, disse que a legislação foi criada como uma “afirmação política, mais do que qualquer outra coisa”.
Depois que Morton Grove, em Illinois, se tornou a primeira cidade dos EUA a proibir a posse de armas, Kennesaw se tornou a primeira a exigir, ganhando destaque na mídia nacional.
Um artigo de opinião de 1982 no The New York Times descreveu as autoridades de Kennesaw como “entusiasmadas” com a aprovação da lei, mas notou que criminologistas americanos não estavam.
A revista Penthouse publicou a história em sua capa, com o título "Gun Town USA: An American Town Where It’s Illegal Not to Own a Gun" (Cidade das Armas nos EUA: uma cidade americana onde é ilegal não possuir uma arma), ilustrada por uma mulher loira de biquíni.
Leis semelhantes sobre armas foram aprovadas em pelo menos cinco cidades, incluindo Gun Barrel City, no Texas, e Virgin, em Utah.
Quarenta anos depois da aprovação da legislação em Kennesaw, segundo Ferris, a lei praticamente desapareceu da memória popular.
“Não sei quantas pessoas sabem que a lei existe”, diz ele.
Blake Weatherby, hoje com 42 anos, recorda que seu pai, quando ele era criança, lhe dizia: “Se você é homem, tem que ter uma arma”.
Ele tinha 12 anos quando disparou uma arma pela primeira vez.
“Quase deixei a arma cair, fiquei muito assustado”, lembra.
Weatherby, que já teve mais de 20 armas, afirma que agora não possui mais nenhuma, tendo vendido as que tinha, inclusive a que seu pai lhe deixou após sua morte em 2005, para superar dificuldades financeiras.
“Eu precisava mais de gasolina do que de armas”, explica.
James Rabun, de 36 anos, trabalha na Deercreek Gun Shop, na rua principal de Kennesaw, que é um negócio da família, aberto por seu pai e avô.
Rabun é um entusiasta da lei de armas de Kennesaw, pois acredita que ela beneficia os negócios.
“O legal das armas de fogo”, diz ele, “é que as pessoas as compram para autodefesa, mas muitas as veem como obras de arte ou bitcoins — itens com oferta limitada.”
A Deercreek Gun Shop tem à venda espingardas de pólvora negra e rifles Winchester dos anos 1800, “que não são mais fabricados”.
Kennesaw tem um grande número de entusiastas de armas, além dos proprietários de lojas e homens de meia-idade.
Cris Welsh, mãe de duas filhas adolescentes, caça, é sócia de um clube de armas e frequenta o campo de tiro com suas filhas.
“Sou proprietária de armas”, admite, listando suas pistolas e espingardas.
No entanto, Welsh não gosta da lei de armas de Kennesaw.
“Me sinto constrangida quando as pessoas falam sobre a lei de armas”, diz ela.
“É uma coisa antiga de Kennesaw, algo com o que precisamos lidar.”
Ela gostaria que as pessoas, ao pensarem na cidade, lembrassem de seus parques, escolas e valores comunitários, e não da lei das armas “que incomoda as pessoas”.
“Há muito mais em Kennesaw”, destaca.
Madelyn Orochena, membro do conselho municipal, concorda que a lei é “algo que as pessoas preferem não divulgar”.
“É apenas uma curiosidade sobre nossa comunidade”, afirma.
“Os moradores costumam revirar os olhos com vergonha ou dar risada disso.”